Quando minha barba não passava de um misero bigodinho ralo e meus braços e pernas eram tão grandes que esbarravam em tudo que tocava, meus problemas eram outros. Cansado de não me destacar em prática esportiva alguma, useis de meu tamanho e característica mais evidente em mim: o “desengoncismo”. Para driblar, não literalmente, meus problemas aprendi um esporte secundário e pouco reconhecido, era o tal do Spiribol. Para as pessoas que se aglomeravam nas quadras de futebol éramos apenas os perdedores que compravam torta de frango no intervalo e davam socos em bolas ovais amarradas em imensas hastes de ferro.
Para nós não. Era um jeito de conseguir um pouco de respeito. De suar, machucar e se tornar vitorioso fazendo a seqüência correta, e o melhor, sem rebaixar ou diminuir ninguém. Sempre achei que não precisávamos passar pelas continuas humilhações por não ser hábil com uma bola. Todos éramos estranhos, mas se existe algum ser divino que nos criou, ele deve ter feito isso por alguma razão. Tinha o japonês negro que possuía ereções continuas com a calça de ginástica e alertava o pessoal gritando: “Alerta vermelho, alerta vermelho”. O garoto com bigode super evoluído que foi apelidado de caminhoneiro, Valdeir Capetinha que lia Mein Kampf com 15 anos e a ex-magreza que vos escreve.
E além de nós e dos garotos populares com suas chuteiras da Topper, havia as garotas. Público estimado por todos, porque se estivesse contato com elas você tinha “as moral” do nosso aclamado colégio. Alguns abaixam as calças mostrando suas cuecas amareladas para atrair suas atenções ou iam para as boates com as desejadas de nossa sala. A maioria do nosso grupo já se apaixonou por alguma delas. Os hormônios naquela época estavam pipocando loucamente e os pêlos na mão cresciam como erva-daninha em canteiro de vovó. Mas acredite, eu não tinha ternura pelas peitudinhas e pós-desenvolvidas da nossa idade.
Não gostava das meninas de rosa, daqueles que se embelezam e pareciam mulheres adultas. Gostava das que jogavam videogame e abriam um sorriso quando as chamávamos para brincar de pique-esconde ou cabra-cega. Com roupas casuais, usavam as listras e até bermudinhas simples. Não tinham o ar de superioridade porque podiam seduzir os garotos. Saudosos tempos em que a relação entre meninos e meninas era baseada na inocência e não apenas em jogos sexuais que definem uma ilusão de independência e superioridade.
Quando penso nas pessoas que naquela época me traumatizaram ou me provocaram um choque inesquecível penso primeiramente em meu irmão. Anos de convívio ao seu lado nos confabularam dezenas de traumas e brigas que já acabaram com cadeirada no olho ou arremesso de óleo quente. Mas foi quando assisti Anjo Malvado que identifiquei o sabor de destruição, mentira e desordem que há anos me perseguia. Atirar na asa-delta dos meus bonecos GIJOE me comprovou isso. Algumas outras pessoas também me espantaram:
– A bolada de basquete que o professor de Educação Física atirou na minha face porque supostamente eu estava desatento. Chorei na frente de toda a turma.
– O dia em que meu padrinho atirou na cabeça da cadela Pretinha com uma espingarda porque ela “latia demais”.
– Ao abrir os olhos, no dia em que acordei mais cedo para ir para escola, visualizei meu irmão fazendo movimentos com seus pênis na cama ao lado.
– O roubo do meu game boy pocket realizado pelo meu suposto melhor amigo.
– O dia em que uma garota pediu meu colar de prata e depois nunca mais falou comigo. (Considero um furto sentimental também).
Já faz quase uma década que a maioria destes fatos ocorreram e acho que nunca sairão de minha memória. De lá pra cá, meu corpo sofreu algumas mudanças, percebi que os atletas e as garotas antes desenvolvidos sofrem de algum tipo de retrocesso mental e já não me sinto um cara tão estranho porque conheci outros estranhos. Mas o que realmente não sofreu nenhum tipo de mudança é que ainda gosto daquele tipo de garota e encontrei uma só pra mim. Ela é bem daquele tipo: minha amiga, minha parceira de videogame, meu amor.
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